quarta-feira, 15 de abril de 2009

Qualé a medida do ódio de alguem?


"SENTIMENTOS DO IMUNDO

Césio Boaventura - Injúrias do Baixo Mundo

Brita e concreto pisuados
Passos firmes
O asfalto encusparado
E jaz!
Permeava um novo
Em tudo isso,
E era a rispidez.
A solidez dos pés
Dos punhos
E de um peito, testemunho,
De que em sua vista
Não havia embriaguez
E sim a clara visão
De um mundo que vai tarde.
De cidade tosca
Que não merece piedade
De Deus ou do Demo.

“E o que temo?
Nada... Só eu.
Medo de fracassar sendo bom
Humano por demais
Cru é o que sou – feito a fel.
Uma humanidade
mais minha
Mais ranzinza.
Martelo, cinzel.”

A língua,
faminta,
Tropeçava em tantos xingamentos
Com amargor ele tossia
E o indizível atravessado na goela.
Um escarro profundo
E uma cusparada, amarela.
Enquanto isso, na garganta corria,
Um gosto que só ele sabia.
Toda vez que ele cuspia
Se lembrava dela
E seu pigarro era também um praguejo.
Como se ela, Humilhando-se,
Boiasse no catarro a
Mendigar um beijo,
Que jamais terá.

Com esta poeira no chão
Que seu nome eu turvo,
Maldigo e renego
O dia em que me vi curvo
Aos teus deleites entregue.
Meu coração grita:
Pragueje, pragueje!
E eu o ouço.
Faço todo esforço
Tentando juntar
do fundo necrosado de mim
Um palavrão digno de sua laia
E que emplaste neste chão sujo
Junto com seu nome
Todo o sentimento vil
Que as minhas forças consome."

sexta-feira, 10 de abril de 2009

"Se é humano então é tudo perigoso" ???


" VERSOS ÍNTIMOS (Augusto dos Anjos)


Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão - esta pantera -

Foi tua companheira inseparável!



Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.



Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.



Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija! "

Há um texto de antropologia muito bom com este título ("Se é humano então é tudo perigoso"). Na linha da afirmação sartreana, "l'enfer sont les autres", levantar-se-ia a pergunta crucial se o relento não é, ao final, o melhor lugar pra se firmar os caminhos de uma pessoa... Mas parece radicalmente paradoxal que a solidão seja assim, uma vez que o sozinho leva consigo a história de muitos outros e a necessidade de traçar pontes, mesmo que aleatórias, por entre as existências. Aqui o casamento "perfeito" entre desconfiança excessiva e individualismo. Talvez seja melhor rever estes ímpetos, em nós tão discretos, guardar a lança pro momento que a valha e a alcança - o momento da maçã ou o do limiar - ; talvez seja melhor estar a par de Pascal e pensar... "não somos tão dogmáticos que saibamos de tudo e nem tão céticos que não saibamos de nada". Dançando sobre o fio da navalha, ou sobre o mar revolto remando (às vezes a esmo), indaga-se a si mesmo, afinal, "a verdadeira questão para 'o ser humano'", "o quanto de verdade podemos suportar"? (Nietzsche). Ao fundo, de abrupto vislumbrar, pode ser que se veja, que, com o equilibrista do lado, o melhor é, em cumplicidade, dividir a vara do equilibar...