sexta-feira, 10 de abril de 2009

"Se é humano então é tudo perigoso" ???


" VERSOS ÍNTIMOS (Augusto dos Anjos)


Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão - esta pantera -

Foi tua companheira inseparável!



Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.



Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.



Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija! "

Há um texto de antropologia muito bom com este título ("Se é humano então é tudo perigoso"). Na linha da afirmação sartreana, "l'enfer sont les autres", levantar-se-ia a pergunta crucial se o relento não é, ao final, o melhor lugar pra se firmar os caminhos de uma pessoa... Mas parece radicalmente paradoxal que a solidão seja assim, uma vez que o sozinho leva consigo a história de muitos outros e a necessidade de traçar pontes, mesmo que aleatórias, por entre as existências. Aqui o casamento "perfeito" entre desconfiança excessiva e individualismo. Talvez seja melhor rever estes ímpetos, em nós tão discretos, guardar a lança pro momento que a valha e a alcança - o momento da maçã ou o do limiar - ; talvez seja melhor estar a par de Pascal e pensar... "não somos tão dogmáticos que saibamos de tudo e nem tão céticos que não saibamos de nada". Dançando sobre o fio da navalha, ou sobre o mar revolto remando (às vezes a esmo), indaga-se a si mesmo, afinal, "a verdadeira questão para 'o ser humano'", "o quanto de verdade podemos suportar"? (Nietzsche). Ao fundo, de abrupto vislumbrar, pode ser que se veja, que, com o equilibrista do lado, o melhor é, em cumplicidade, dividir a vara do equilibar...

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