segunda-feira, 4 de maio de 2009

Fome de pão e de não


E derrepente era uma saliva quente e grossa que lhe descia lentamente da boca. Havia sangue seco em seu canto. seus olhos embotados de dedos ásperos denunciavam pranto. Mas não mais havia choro. Na rua, sim, havia o coro da multidão ensandecida a correr por seus trocados e seus bocados. Quanta miséria! E nisso está a cumplicidade de ser humano e jogado estar.


Havia uma estranha e amistosa cumplicidade entre ele, mendigo, e os vermes da calçada. eram pisões. Torpores, rumores, berros inauditos. Era a vida esquecida de si mesma. Era um beijo seco no chão. O chão ardente a responder colando os lábios sequiosos de comida. E havia algo o que comer? Havia o que se fartar... Haviam pessoas aos montes. Variados sangues... Várias linguas e bílis. Seu corpo fatigado ansiava por mais maquises, mais meretrizes, feijão azedo dado por mãos tão prestativas... Solicitude dada por maõs tão azedas... Mas a cachaça não tinha..., então pouco pra ele existia de bom. O mágico no álcool é o dom de maquilar o mal e o mau que em todo, daí, passa a, quando muito, só nos circundar, e não mais a nos degenerar ao nosso existir violentamente usurpar. Sem o de sorver em goles apressados, como quem sorve a vida em seus últimos instantes, nada de mais parecia ter a cor dantes. Com os alcoois residindo em seus neurônios a vida era menos o inferno dantesco. Da vida se poderia rir como se ri ao ver um afresco, mesmo que, em estado outro, seja ela um quadro roto.


Havia, não obstante, uma contradição dura que o partia. Aquilo o que o concedia unidade era, agora, a força que o enfraquecia em seus efeitos colaterais... O dia já ia ao longo à sua volta; ele, sob insuportável trauma, só agora agitava as primeiras moléculas para levantar-se - se conseguisse. Pois a força que antes tinha, fora levada pelo último vapor de cólera, pelo último vento frio que o tocara, pela embriaguês que já não existia. Por uma necessidade indestrincável e perniciosa, seu corpo necessitava, exigia, uma garrafa nova, um gole novo, para um novo dia, que era para esquecer ou, pelo menos, apoquentar a agonia. Quanta força para levantar um braço somente! E a cabeça então. Esta parecia pesar o tamanho exato do seu maul, tamanha era a vertigem ao tentar ergue-la e tamanha a espada rude que seu crânio ao meio cingia. Aquele que, desta "pedra", arrancar conseguisse, mereceria o título de bravo e de requintada honraria.


E o que mais continuaria??... Há uma história por traçar... Assim como aquele sem nome que sobia e descia sua garganta. Malditos movimentos peristálticos num deslizar truncado pelo esôfago, estômago e intestino. E que náusea infinda que não cabe nominar. Tanta provação... Tanto desponto... Tanta dor... E tanta, tanta. E por quê é que não queria ou, ao menos, pensara ou admitia ao seu corpo fogo atear? Poderiam "confundir-lo" com um mendigo ou com um índio ou um perdido e queimá-lo; assim então inocentá-lo da dura vida que ali jogado ia.

Mas não. Ele mesmo se faltava... Assim como a força. E era com toda a força de um raquítico e esquelético desnutrido e desiludido que à vida se agarrava como seu único bem. Pois ela ninguém poderia roubar, trucidar ou extinguir. Se agarrava à garrafa de cachaça mais do que se agarra a uma marmita, e tanto quanto se agarra à propria vida.


E, enfim, ela a ela que se agarrava. Mesmo que pra, depois e por um instante, jogá-la a escorrer em vômitos por um boeiro.

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